Rodrigo Conceição Santos, do InfraDigital* (Especial do FTTH Meeting) – 22.09.2020 –
Convergência de tecnologias, compartilhamento de infraestrutura e atualização das normas vigentes são alguns dos desafios que podem interferir na qualidade da nossa vida digital.
A criança joga online pelo tablet enquanto o marido assiste a uma série em 4K pela smart TV. A esposa está concentrada em uma feira de negócios virtual no computador portátil e a avó assiste a reprise da novela pelo aplicativo da TV tradicional. A geladeira apita, avisando que acabou o leite, enquanto as persianas elétricas pedem sinal de reconfiguração no celular por conta de uma queda súbita de energia. Esse é um, dos milhares de cenários em que o nosso cotidiano conectado exige o envio e recebimento de um volume de dados cada vez maior. Os provedores de internet têm a missão de suportar o tráfego por meio de suas redes, cada vez mais congestionadas, e a solução de passar novos cabeamentos está sendo comprometida pela falta de organização que resulta no emaranhado de fios e dutos que passam pelos postes e subterrâneo das metrópoles.
Esse é o impasse que prejudica o avanço da infraestrutura de telecomunicações, tema que está sendo amplamente discutido nesta semana durante o evento virtual FTTH Meeting, com cobertura exclusiva do InfraROI.
Para a Commscope, a convergência de tecnologias que exigem conectividade vai demandar cada vez mais largura de banda e a consequente instalação e aprimoramento de redes. Segundo Emerson Santos, engenheiro de aplicação da empresa, veremos aumento de soluções convergentes de IoT, cloud computing, 4k, realidade virtual e outras. “E as redes precisam estar preparadas para isso”, diz. A solução, de acordo com ele, começa pela construção de infraestruturas à prova de futuro. Ou seja, as redes precisam estar preparadas para escalonamentos, conforme aumente a demanda por transmissão de dados.
“Ocorre que para construir redes à prova de futuro é preciso investir nos materiais e métodos corretos. E não é isso que temos observado. Muitos provedores regionais optam pelo menor preço e assim adquirem materiais que limitam a expansão da oferta de serviços de conectividade”, intervém Marcius Vitale, engenheiro e consultor de telecomunicações..
Para Vitale, a profissionalização do setor, assim como a capacitação da mão de obra, pode reduzir esse problema. Por outro lado, há uma questão estrutural mais grave, que é a falta de espaço físico para a passagem de novos cabeamentos.
A busca pela abertura e regulamentação desses espaços é o principal tema empenhado por Vitale atualmente. Ele participa de tratativas com prefeituras, concessionárias de energia e técnicos de várias naturezas na busca por essas soluções.
Compartilhamento de infra é a saída
Assim como as redes de gás, saneamento básico e eletricidade, as redes de telecomunicações são de utilidade pública (utilities) e precisam de normas que assegurem a sua evolução. “Hoje, a realidade é que a organização dessas infraestruturas é um caos total, com regiões, principalmente as mais densas, com postes e subterrâneos tomados por dezenas de redes desorganizadas”, diz Vitale.
Para resolver o imbróglio, ele e sua equipe desenvolveram vários estudos, entre os quais está um voltado à gestão de micro áreas, de modo que as distribuidoras de energia elétrica, por exemplo, tenham mais capacidade de organização na passagem de redes de telecomunicações pelos seus postes. “Tenho bom relacionamento com as concessionárias de energia e estamos fazendo um trabalho com a prefeitura de São Paulo abordando a interface ideal entre as redes elétricas, de saneamento, gás e telecom”, revela.
Segundo ele, é preciso validar as soluções desenvolvidas com testes de campo, algo que, além das devidas aprovações, dependem de testes massivos. Por isso ele visualiza que as soluções para a organização e compartilhamento de infraestruturas de redes ocorrerão paulatinamente, sendo que algumas tecnologias, como as de microcabos e microvalas tendem a ganhar espaço.
Problema maior nas redes aéreas
Pelo maior custo inicial de implantação – há estudos que demonstram que esse custo é compensado ao longo da utilização da rede – as instalações subterrâneas ainda são minoria no universo das telecomunicações. Estima-se que mais de 90% das redes estejam em via aérea, ou seja, nos postes das concessionárias de energia elétrica. “Antes os cabos estavam pendurados nos postes. Agora os postes é que estão pendurados neles”, brinca Marco Paulo Giannetti, coordenador técnico da Fibracem.
A sátira demonstra a realidade caótica citada por Vitale e traz a explicação física de que os espaços reservados nos postes pelas normas atuais não condizem com a demanda dos provedores de telecomunicações.
Giannetti explica que as concessionárias de energia disponibilizam basicamente seis pontos de fixação para outras redes, além da sua própria. “Antigamente, tínhamos uma rede de telecom utilizando o poste. Depois vieram as redes de TV a cabo. Com a privatização das telecomunicações, surgiram as operadoras espelho e as operadoras de longa distância. Com isso, quatro posições já foram ocupadas, restando outras duas para acomodar novas redes”.
Obviamente insuficientes, esses pontos de fixação foram extrapolados, resultando na super ocupação dos postes, como estamos nos acostumando a observar nas regiões com população mais densa. Mas Giannetti pondera que, mesmo nos locais onde há pontos de fixação disponíveis, a incidência de redes instaladas fora de norma é grande. “E isso tem sido um problema cada vez maior para os provedores, pois as concessionárias estão começando a ‘meter o alicate’, literalmente”, diz.
Com destaque apara a Enel, no estado de São Paulo, ele diz ser cada vez mais comum o corte de redes implantadas incorretamente nos postes das concessionárias de energia. Contra isso, ele sugere que os provedores aprimorem conhecimentos sobre as normas vigentes, principalmente a NBR – 1514, da ABNT, criada em 2006. “Essa norma precisa de atualização, mas é a que temos para hoje”, diz.
Baseadas nela, as concessionárias de energia têm as suas próprias regras para a instalação de redes de telecom em seus postes. “No geral, as concessionárias disponibilizam um espaço de 500 mm, abaixo do mastro da luminária e que deve ser dividido entre os seis pontos de fixação citados. Ou seja, cada operadora tem o seu espaço limitado e a instalação da rede deve respeitar especificações como altura mínima de 5 metros em ruas e avenidas ou de 3 metros quando estão sobre o passeio ou ainda de 6 metros quando há tráfego de máquinas agrícolas”, detalha o especialista.
Para seguir com a instalação da rede, uma vez que haja ponto de fixação disponível, o provedor deve apresentar o projeto para validação da concessionária. “Feito isso, é preciso colocar a identificação. E há regras para essa prática também: a etiqueta deve ter dimensão de 90×40 cm, com fundo amarelo e escritos com o tipo do cabo e o nome da ocupante, entre outras especificações”, diz.
Emerson Santos, Marcius Vitale e Marco Paulo Giannetti, assim como dezenas de outros especialistas, palestraram no primeiro dia da 4ª edição do FTTH Meeting, que também acontece hoje e cujas inscrições podem ser feitas gratuitamente em www.ftthmeeting.com.br.
(*) O InfraDigital é um projeto comum de conteúdo do InfraROI e o do IPNews. Para informações sobre o formato, consulte Jackeline Carvalho (jackeline@cinterativa.com.br), Nelson Valêncio (nelson@canaris-com.com.br) ou Rodrigo Santos (rodrigo@canaris-com.com.br).